segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Uma Folha do Velho Diário de Bordo


A grande verdade é que nem ele entendia por que estava fazendo aquilo. Ou melhor, entendia sim. Tivera uma infância sem pai e isto, apesar de todos os esforços de sua mãe, lhe privara de um mundo de coisas que seus amigos tinham e teriam no futuro.
Decididamente ele não desejava tal destino à sua filha. Demorara quase vinte anos até decidir ser pai novamente e não poderia cometer os mesmos erros do passado ou repetir os de seu pai.
Por outro lado, depois de mais de quarenta anos de vida e alguns relacionamentos frustrados, finalmente encontrara o tão desejado “amor maduro” e, este era correspondido na mesma proporção. Finalmente ele se julgava um homem amado e feliz. Havia desistido a alguns anos, havia se resignado e sequer acreditava ainda no amor. Mas aquela pequena o arrebatara com uma intensidade que até então ele desconhecia.
Fora vítima passiva da melhor de todas as armadilhas da vida.
Mas ele desistira. Vivera um dilema existencial de proporções gigantescas, e este dilema, sem sombra de dúvidas o consumiria lentamente nos anos que se somariam ainda em sua vida. Talvez esta recordação o fizesse sorrir as vezes, sem que ninguém soubesse o motivo ou, o fizesse derramar uma lágrima vez que outra. Ao lembrar do semblante de seu amor maduro, chorosa na última vez que ele a vira, na rodoviária da cidade, acenando um adeus mudo e engolido a seco.
Agora, novamente resignado, voltara-se ao seu trabalho, uma das poucas coisas que lhe traziam prazer. Pena o tempo ser tão carrasco de todos nós. Ele não perdoa um dia sequer, que dirá anos e décadas. Surgem os cabelos brancos, as rugas, alguns problemas de saúde e, apesar da sabedoria adquirida a um alto preço, sobra somente a oportunidade de dividir esta vivência com quem porventura arrisque-se a ler estas poucas linhas.

Um comentário:

Serpente Angel disse...

Pois é... (idém)... Por alguma razão eu estou lendo...
Devo dizer-lhe talvez com o meu olhar,
Há algumas páginas nas minhas linhas, muito fios brancos, muitas décadas também... E você tem toda razão... O tempo não perdoa, e é breve... E concordo. Há um alto preço a pagar pelo que deixamos de dividir... (de bom) em vivências e sentires...
A sabedoria dos anos nos mostra isso... E quem por ventura pudesse entender isso sem se deixar tanto tempo ao tempo. Que bom seria não?

Mas que bom, tive o prazer de vasculhar teu baú... Também tenho algumas coisas guardadas numa caixa... Quem sabe algum dia eu abra.

Parabéns pela oportunidade de sobrar e dividir sentimentos tão saborosos.

Beijo